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DÁDIVAS

E agora é o acaso quem me guia. Sem esperança, sem um fim, sem uma fé, Sou tudo: mas não sou o que seria Se o mundo fosse bom — como não é!

E agora é o acaso quem me guia. Sem esperança, sem um fim, sem uma fé, Sou tudo: mas não sou o que seria Se o mundo fosse bom — como não é!

DÁDIVAS

09
Set15

UM MIÚDO NA PRAIA SUJA

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Ao ler, hoje, o jornal Correio da Manhã, o nosso olhar abraçou um belíssimo trabalho escrito por Baptista Bastos, que nos deliciou e até bastante nos comoveu.

Mas quão cruel é o mundo em que vivemos! Um mundo que diariamente chora, nos rouba a vontade de ofertar um sorriso.

Será justo roubar, o sorriso  puro e inocente, a uma criança? 

Nós abraçamos a negação!

Seguidamente divulgamos o belíssimo texto de Baptista Bastos:

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09.09.2015 00:30

 O miúdo está estendido de bruços, e uma ligeira ondulação do mar faz mover a sua cabeça. O mar é negro e as areias escuras. O miúdo é um miúdo muito pequeno, sei agora que é sírio,Aylan, de seu nome há quatro anos que deixaram de o ser. Aquela fotografia apavora-me e não a quero ver. Mas aquela fotografia do miúdo intimida-me e apela-me, invoca-me, e lá estou aolhá-la, e ao miúdo sírio cujo rosto não vejo porque está virado para baixo, os braços estendidos ao longo do corpo pequeno. Sinto um mal-estar infinito, um aperto pesado no coração. Ao longo de uma vida rude e diversa, vi tudo e de tudo: corpos decapitados, queimados por explosões e fogos; escrevi de golpes de Estado, furacões, tremores de terra, naufrágios, descarrilamentos e quedas de aviões, sei lá que mais! Comovi-me, claro!, mas não tanto como com esta fotografia do miúdo sírio, que me persegue, me não larga, me provoca insónias e temores obscuros. Talvez este sentimento invasor e estranho seja da idade e da família que me rodeia. Sou marido, pai e avô, fui filho e neto, escolhi um ofício desamparado e trágico, em que, por vezes, os nervos atingiam uma tensão quase dolorosa, mas esta fotografia do miúdo sírio não me abandona, desabriga-me e ofende-me. OAylan ia com os pais para o Canadá. A inclemência não o permitiu: morreu afogado, com a mãe e o irmão, e foi parar a esta praia feia e suja da Turquia, de rosto para a areia negra e húmida e repulsiva. OAylan ia feliz, diz quem sabe, porque fugia do terror e do pânico. Mas os deuses, todos os deuses, estão cegos e surdos aos apelos de uma humanidade que, de tanto sofrer, já não sabe chorar. E, com estes deuses, não há perdão nem para os miúdos, que nada fizeram, que não cometeram nenhum pecado: eram apenas miúdos. Sobrou o pai, mas o pai é um homem desorientado, que soletra frases convulsas e desprovidas de sentido. Um homem envenenado por mil dores e sem ânimo para enfrentar mais infortúnios. A fotografia não me larga. E lá está oAylan, a água escura a lamber-lhe o rosto.

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Riso de Aylan, Aylan com os braços em volta do pescoço da mãe, choro dele, birra dele, xixi dele nas calças do pai, brincadeiras com o mano, sorriso dele, corridas dele, nunca mais.

 

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